
De fato não se verá possibilidade de vida ali até que se embrenhe na caatinga, veja-se o carcará, o preá, o tatu, a raposa; até que se desça do urbanismo, monte-se um jumento, apeie-se e entregue-se a empatia com o sertanejo, ouça-se o mugido ou o balido dos animais. Há vida na sequidão.
Não olhamos a aridez com bons olhos, porque não conseguimos vislumbrar a vitalidade que nela reside, da qual o verde é apenas um dos cenários, o mais desejado, mas não o único. O gérmen da vida reside imortal na secura do semi-árido. Basta que venha a chuva para tudo reverdecer. Mas não foram as águas pluviais que trouxeram a vida... ela estava nos galhos retorcidos.
Como cristãos modernos fomos habituados ao discurso triunfalista. Qualquer figura associada a deserto, vale, escuridade não combina com nossos conceitos de vitória. Entendo que buscamos um objetivo melhor, um novo amanhã... mas é na viagem que aprendemos e não no destino. Com isso rechaço o pensamento de que nossa sequidão de estio pessoal ou coletiva seja um momento a ser simplesmente lamentado, já que nossa meta é a primavera. Pasmem, creio que nossas estiagens devem ser celebradas como estações necessárias à alma, é nelas que a mesma mostra sua resistência, é nelas que escolherá se será doce ou amarga... O sertão deixa o sertanejo resistente, mas não menos terno...(Hay que endurecerce pero sin perder la ternura jamás - Che)
É na sequidão que decidiremos se será renovada a esperança ou sucumbiremos sob o sol causticante. Ainda na seca o sertanejo destila seu suor no preparo da futura plantação... Ele tilinta sua enxada no solo faiscante, arremete a foice contra os caules duros da caatinga, usa a chibanca para remover os tocos... sabe que se ficar apenas olhando as nuvens não vai plantar nem colher; ele luta para mudar a paisagem e suprir-se. Em relação a nossa alma, é tempo de sulcar nossos corações, brocar e remover sentimentos daninhos enraizados a anos, mudar posturas ... O sol é pinicante na moleira, mas não racha a esperança do sertanejo.
É na estiagem que a devoção será mais genuína. É fácil passarinho cantar refestelando-se nas imensas poças de água e abundancia de frutinhas, sementes e insetos. Mas é na ausência de suprimentos que tiraremos a duvida se nascemos pra cantar.
É no verão que descobriremos se temos vida em nós mesmos. O sertão tem vida própria. Talvez não exuberante sob alguns pontos de vistas. Mas a vida está lá. A chuva apenas lhe dá outra roupagem. A quem tem vida abundante como uma fonte interna, as bênçãos externas serão sinais da graça e não a própria graça.
É na sequidão que daremos provas de amor ao nosso chão (raízes). O sertanejo reluta antes de arribar-se: “Eu vou ficando por aqui... Que Deus do céu me ajude... Quem sai da terra natal em outros cantos não para... Só deixo o meu Cariri No último pau-de-arara...” A seca é uma oportunidade de consolidar nossas decisões... poderemos ficar, sofrer, ver morrer, e no fim puxar sobre si o lençol do barro duro que amou... ou então largar tudo, migrar, sair-se, mudar-se... mas, e se depois o sertão virar mar?
Por fim, a sequidão é quem realça (valoriza) o milagre da chuva. O verdume é mais reverenciado onde é raro, o ribeirinho é mais desejado e respeitado quando temporário, a água é mais saborosa quando antes se provou dela salobra ou tingida de barro, o pão de milho é mais forte quando vitaminado por suor e lágrimas, os laços são mais fortes sob o risco constante da partida e da saudade, a vida é saudada com mais entusiasmo quando correu o risco de virar osso branco.
Graça e Paz!
infelizmente parec q buscamos a Deus cm mais intensidade, cm mais necessidade quando estamos na estiagem... e perdemos muito por isso...
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